Panorama divulgado na última quarta-feira (06) apresenta o número de infectados e políticas direcionadas à proteção dos indígenas durante a pandemia de Covid-19 na América Latina.
O texto é de Wagner Fernandes de Azevedo, publicado por IHU On-line.
Estima-se que a população indígena da América Latina seja de 45 milhões, quase 10% da população da região, composta na diversidade de 826 povos, sendo destes 200 em isolamento. Sofrendo constantemente com a ameaça aos seus territórios, aos seus costumes e meios de sobrevivência, a ameaça do coronavírus torna todos os problemas mais intensos. Se para a população não-indígena a estrutura sanitária e hospitalar é insuficiente para assegurar a saúde da população, para a maioria dos indígenas a conjuntura é aterrorizante. O Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas na América Latina e Caribe – FILAC, em parceria com o Fórum Indigena de Abya Yala – FILAY, divulgou, nesta quarta-feira, 06-05-2020, um panorama sobre o número de infectados e políticas direcionadas à proteção dos indígenas durante a pandemia de Covid-19. Os dados obtidos com governos e organizações indígenas são divergentes, mas contabiliza-se em torno de 1.072 infectados pelo novo coronavírus e 72 mortes, colocando 700 povos em “grave-risco”.
A América Latina começa a se tornar o epicentro da pandemia, contando 318 mil casos, na manhã de sexta-feira, 08-05. As estatísticas demonstram que os casos têm dobrado a cada quatro dias, contabilizando atualmente uma proporção de 51/100 mil habitantes. O número de vítimas já chegou aos 17 mil. Os piores casos se apresentam em Brasil, Peru, Equador e México, nessa ordem.
A situação do continente preocupa devido aos escassos recursos hospitalares. Apenas Argentina, Cuba e Uruguai possuem leitos hospitalares acima da média global. A centralização dos cuidados médicos é outro fator a se considerar, principalmente para os povos indígenas, visto que algumas populações, sobretudo na Amazônia, podem levar dias para chegar a um hospital próximo.
Outro dado que a Filac destaca em seu relatório é sobre o acesso à água. A diferença no “déficit de água” entre “indígenas” e “não-indígenas” chega até a 32% em alguns países – caso do Panamá, onde 36% dos indígenas e 4% de não-indígenas não tem acesso à água em suas casas.
A trajetória de doenças respiratórias é outro fator que preocupa as organizações indígenas. Países como a Colômbia registraram um aumento de 24% no número de infectados, nos últimos dois anos. O número absoluto de doentes por infecções respiratórias foi de 93.430 indígenas no país, somente em 2019.
O relatório alerta para quatro fatores comuns de vulnerabilidade dos povos indígenas na América Latina: “a fragilidade imunológica dos povos isolados; a falta de acesso a serviços básicos, como a água, para os povos indígenas do meio urbano; a mudança de padrão alimentício forçado; e a ameaça de outras doenças, como a dengue e a malária”.
Os dados contabilizados
A Filac destaca que a intenção do relatório é auxiliar na elaboração de estratégias de proteção das comunidades indígenas, deste modo, a metodologia utilizada é baseada no bem-viver, partindo das interculturalidade e da disponibilização da informação das próprias comunidades em diálogo com as informações dos Estados. A partir disso formam-se as características e as diretrizes políticas comuns.
Os dados obtidos pela Coordenadoria das Organização Indígenas da Bacia Amazônica – COICA (sigla em espanhol), apontam que até o final de abril, em toda a região amazônica, 679 indígenas foram contaminados pela covid-19, entre os nove países que a compõem, e 40 óbitos.
Os dados do governo brasileiro contam que existiam 92 casos de indígenas infectados no Brasil, ao final de abril, sendo que as organizações indígenas registravam 97 casos.
Na Colômbia, até a quarta-feira, eram oito casos confirmados e 52 em análise, um indígena do povo Yanakona, havia falecido. A Organização Nacional Indígena da Colômbia – ONIC enfatiza que 250 mil famílias estão em situação de risco no país.
Na Argentina, país com pouco mais de 5 mil casos ao todo, tem registrado um indígena na província de Santa Fé, da etnia Qom.
No Chile, uma mulher mapuche faleceu pela covid-19 e seu esposo está internado em estado grave. A Filac não aponta novos casos de indígenas contaminados no país.
No Equador vive-se talvez a situação mais dramática para uma mesma etnia. O povo Siekopai, com uma população 744, na fronteira das Amazônias equatoriana e peruana, já registrou 14 casos positivos de Covid-19 e dois mortos. A Filac acusa o governo de lentidão em testar a população e de seguir sem nenhum plano de proteção.
No México, o Instituto Nacional de Povos Indígenas contabiliza 110 casos ao final de abril, enquanto a Secretaria de Governo 209. Destes, 26 vieram a óbito.
No Panamá, o último registro sobre indígenas é de 23 de abril, com um 57 casos já registrados e duas mortes.
No Peru são três casos confirmados de duas comunidades diferentes. Na tríplice fronteira com Brasil e Colômbia mais 17 casos foram registrados em terras indígenas, embora sem a confirmação de serem indígenas.
Na Venezuela não há registro, mas a organização destaca que há um risco extremo devido ameaças de garimpeiros contra os territórios dos povos que se isolaram voluntariamente, caso dos Yanomami, Jodi e Uwottüja/Piaroa.
Respostas contra a Covid-19
As respostas da maioria dos Estados não têm sido suficientes para dar segurança aos povos indígenas, obrigando-os a utilizarem dos seus próprios métodos.
Na Argentina, Chile e México os governos nacionais preparam programas de benefício econômico específicos para as populações indígenas. Na Costa Rica e México, os saberes tradicionais foram reconhecimentos para o tratamento da Covid-19.
Porém, na maioria dos países as políticas se resumem ao acompanhamento do contágio e à restrição de acesso às terras indígenas. Mas paira a desconfiança nas comunidades. Em todo o continente, as diferentes populações criaram seus próprios cordões sanitários para o isolamento. O coordenador geral da FILAY, Jesús Amadeo Martínez Guzmán, afirmou na apresentação do relatório que “em nossas comunidades estamos fazendo frente a situação com nossos conhecimentos e saberes, porém isso não é suficiente. É preciso complementar com outras ações, com a assistência do governo. Mas não recebemos respostas. Elas são apenas dos povos indígenas”.
É o caso no Departamento do Cuenca, na Colômbia, onde foi montado uma guarda com um contingente de 980 pessoas para manter cordões de segurança 24 horas em 22 territórios.
Em Jesús Machaca, na Bolívia, um município aymara, a administração manteve apenas um acesso ao território, que é controlado e exigido uma “desinfecção”, máscaras e luvas para quem entra.
A elaboração de materiais de prevenção em diferentes idiomas também foi uma opção dos povos no Peru, Equador, Venezuela, Nicarágua, Costa Rica e México. A difusão desses materiais acontece por organização próprias das populações ou com auxílio dos governos.
No Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e os Indigenistas Associados – INA apresentaram ao governo federal um manual de pautas e exigiram o acesso ao auxílio emergencial sem que seja necessário romper o isolamento.
A Filac recomenda o respeito aos conhecimentos das medicinais tradicionais dos povos indígenas. A entidade reforça que há diferentes interpretações sobre o coronavírus a partir das diferentes cosmovisões. Para os mapuches, por exemplo, a pandemia é consequência da “má relação entre as espécies do planeta”.
No Panamá, na Comarca de Gunayala, os indígenas estão produzindo “remédios tradicionais de prevenção” em diferentes comunidades. Na Guatemala, nos territórios Q’eqchi’ de Alta Verapaz, Ixil em Quiché, Tzutujil e Kaqchikel em Sololá, as populações utilizam de chás de plantas medicinais para fortalecer a autodefesa do corpo. O mesmo ocorre na Bolívia, onde algumas comunidades promovem o uso de plantas como o alecrim, wira wira, eucalipto e lampaya para fortalecer o sistema imunológico.
Por fim, o organismo reforça que são 700 povos em sério risco de extermínio. Sendo assim, a maior urgência para os Estados é dar respostas à insegurança alimentar em que se encontram os povos isolados. Para isso é preciso criar uma rede de diálogo segura e que respeite a autodeterminação dos povos, o isolamento e suas tradições, mas também assegurando o acesso a serviços básicos, como à água e à saúde.