O presidente do Equador Lenín Moreno anunciou medidas de contenção de gastos devido à pandemia. As medidas de ajuste fiscal, constantes nesses três anos de governo, causaram novas insatisfações, e novamente despertaram os movimentos de oposição. Assim como no Chile, a população equatoriana convoca a quebrar a quarentena para cobrar ações de proteção social em meio à crise econômica e sanitária.
A reportagem é de Wagner Fernandes de Azevedo, publicado por IHU On-line.
Semanas antes de as manifestações chilenas explodirem em outubro de 2019, o Equador já vivia seu processo de revoltas. Lenín Moreno passou de vice-presidente a candidato governista, com o apoio de Rafael Correa e a base do Alianza País. Mas as rusgas não tardaram a aparecer, tornando os antigos aliados nos principais protagonistas da polarização política do país. O estopim da conturbada relação entre o presidente Lenín Moreno e sua antiga base aliada se deu com o fim dos subsídios aos combustíveis, atendendo a requisitos do Fundo Monetário Internacional. No dia 1º de outubro de 2019, protestos ocorreram em todo o país, com o protagonismo de grupos indígenas.
A reação da população equatoriana conquistou uma vitória histórica, levando o governo a revogar o seu decreto já no dia 13-10. Ademais, a mobilização envolveu diretamente diversos setores da população, que segundo Moreno eram coordenados por Correa, em uma tentativa de golpe de Estado. No entanto, o protagonismo foi de comunidade indígenas de zonas rurais, que inclusive contaram com o abrigo da Pontifícia Universidade Católica Equatoriana – PUCE, em Quito, contra os violentos conflitos com as forças de segurança. Contudo, as manifestações no Equador se enfraqueceram após a imediata vitória da oposição, mesmo a revogação do decreto não significando uma mudança na política econômica do país.
Com a chegada do coronavírus no país, as medidas de isolamento iniciaram em 12 de março, com estado de exceção declarado em 16 de março. O colapso chegou cedo em algumas cidades, como Guayaquil, onde os sistemas de saúde e funerário não deram conta de atender a população, já no início de abril, com corpos sendo jogados pelas ruas ou acondicionados em contêineres. A província de Guayas tem mais 13.480 casos e 1.284 mortes confirmadas, com um grande asterisco de subnotificação. Em todo o país são 34.850 casos e 2.888 mortes notificadas. O governo renovou no último sábado, 16-05, por mais 30 dias o decreto de exceção, autorizando a polícia e as Forças Armadas para controlar a ordem pública.
O caos sanitário e econômico coloca como consequência, estimada pelo governo, 508 mil empregos em situação de alto risco, 150 mil perderam suas fontes de renda durante a pandemia e mais 233 mil pessoas estão à beira de cair na informalidade. Com o decreto de estado de exceção as atividades econômicas chegaram a paralisar em 70% no país, tendo uma flexibilidade maior em algumas regiões.
Porém, também nessa semana, Lenín Moreno, com a queda na arrecadação calculada em 12 bilhões de dólares, anunciou novas medidas econômicas que impulsionam a sua política de austeridade. O governo cortará mais de 4 bilhões de dólares do orçamento público, deste 900 milhões será dos salários do funcionalismo público e 400 milhões em serviços.
Dentro do pacote de medidas incluem-se a reestruturação de ministérios e secretarias, liquidação de duas instituições públicas e outras oito empresas estatais. Destas, todas foram criadas na gestão de Rafael Correa, como empresa de comunicação estatal Medios Públicos, a administradora de serviço postal Correos del Ecuador, a empresa ferroviária Ferrocarriles del Ecuador e a companhia aérea Tame. Com essas medidas mais de 8 mil empregos serão diretamente extintos.
Tais medidas traçam um fio conectando a crise política de outubro à pandemia. A Federação de Estudantes Universitários do Equador – FEUE convocou para manifestações em todas as cidades do país na segunda-feira, 25-05, respeitando as medidas de segurança. Outra entidade estudantil, a União Nacional dos Estudantes – UNE destaca para o corte no salário dos professores e trabalhadores da educação que gira em torno dos 12 milhões de dólares, e que 6 mil professores foram demitidos nesse tempo.
A Frente Unitária dos Trabalhadores – FUT também fez protestos nos últimos dias acusando o governo de demitir funcionários da saúde em meio à pandemia. A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador – CONAIE também rechaçou as medidas do governo em comunicado oficial, acusando-o de priorizar o pagamento da dívida externa ao investimento em educação. Ainda, cobram que o programa econômico levantado pela entidade nas marchas de outubro seja executado.
Assim como as manifestações no Chile voltaram a acontecer nesta semana, as ruas equatorianas novamente devem ser território de conflitos. Assim como as medidas de Lenín Moreno demonstram que não há uma solução única para sair da crise e que o neoliberalismo ainda pode ser uma opção política.