A lei foi aprovada no Senado da Argentina em 5 de dezembro e acabou recebendo o nome de “contribuição solidária e extraordinária para amenizar os efeitos da pandemia”. Com expectativa de que seja fixada como permanente no futuro, a medida consiste em um pagamento único feito pelos cerca de 10 mil mais ricos do país e pretende arrecadar 300 bilhões de pesos argentinos, o equivalente a cerca de US$ 3 bilhões ou R$ 18,7 bilhões.

A reportagem é de Fernanda Paixão, publicada por Brasil de Fato, 20-12-2020.

A taxa será de 2% sobre os patrimônios que tenham declarado mais de 200 mil pesos argentinos (US$ 2,4 mil); 2,25% aos patrimônios entre 800 mil pesos (US$ 9,6 mil) e 1,5 milhão de pesos (US$ 18 mil); 3,25% para patrimônios de até 3 milhões pesos (US$ 36,2 mil) e, a partir dessa cifra, a taxa será de 3,5%.

A lei destinará 15% da arrecadação a moradores de bairros populares; 20% a equipamentos médicos para combater a covid-19; 20% ao programa Progressar, um incentivo econômico a estudantes; 20% de subsídio a pequenas e médias empresas; e 25%, a maior parcela, à produção de gás natural.

O projeto, impulsionado pelo peronismo de centro-esquerda, não passou sem críticas por parte da esquerda.

Elas consistem principalmente no fato de que a lei termina beneficiando empresas privadas através da petroleira estatal YPF, que possui 49% de suas ações privadas. Em termos ambientais, preocupa também que a exploração e produção de gás da base Vaca Muerta, em Neuquén, ao sul do país, utiliza o método do fracking, um modelo de extrativismo altamente contaminante e proibido em muitos países.

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU declarou, em 2018, que a Argentina deveria “reconsiderar a exploração em grande escala de combustíveis fósseis não convencionais mediante o fracking na região da Vaca Muerta”.

Além disso, a esquerda questiona o fato de a lei não afetar bancos e empresas multinacionais, como destaca Pablo Goodman, integrante do Movimento pela Unidade Latino-Americana e a Mudança Social. Ele fez parte da convocatória pela suspensão do pagamento da dívida com o FMI, contraída nos anos de governo macrista.

“Estou a favor desse pagamento único, mas seria muito melhor atender realmente as necessidades mais básicas da população”, afirma. “Esse imposto não forma parte de um pacote de medidas progressistas a favor dos setores populares, mas é uma espécie de paliativo diante de um setor que o governo não arrisca enfrentar, que são os grandes bancos, as multinacionais, os conglomerados e grupos econômicos. Para fazer uma política realmente popular, deve-se enfrenta-los.”

Já na oposição, uma das mais insistentes críticas dos defensores do setor empresarial é que o imposto é um desestímulo ao investimento, às empresas e à geração de empregos.

Os projetos de imposto sobre as grandes fortunas são os passos mais imediatos para reduzir as desigualdades econômicas e de gênero na América Latina e no Caribe, segundo o relatório “Agora ou nunca” lançado esta semana pela Rede Latino-americana pela Justiça Econômica e Social (Latindadd). Estima-se que um mínimo de US$ 26,5 bilhões poderiam ser arrecadados por ano em 20 países da América Latina com um imposto sobre as grandes fortunas da região.

Adrian Falco, secretário-executivo da organização, destaca que defender um imposto sobre as grandes fortunas não se trata de uma “revanche de classes”:

“Trata-se de conceder um pouco de justiça em um sistema absolutamente injusto, e que não serve para a América Latina. Não estamos fixando nossas prioridades – outros o estão fazendo por nós.”

Impactos na América Latina

No Senado da Argentina, agora o assunto debatido é o projeto de lei de interrupção voluntária da gravidez (IVA). Com a taxação das grandes fortunas e a legalização do aborto, a Argentina assumiria uma posição de destaque entre as legislações progressistas da América Latina. O país já tem leis de identidade de gênero e de casamento igualitário.

A Bolívia deve ser o seguinte a sancionar uma lei para taxar os mais ricos; atualmente, o projeto avançou e está sendo tratado no Senado. Em outros países da América Latina, como Brasil, Chile, Equador e Peru, há projetos semelhantes.

A América Latina continua sendo a região com maiores índices de desigualdade social no mundo: a parcela de 1% mais rica da população capta 21% da entrada de toda a economia dos países.

Além disso, a chegada da covid-19 fez retroceder em 15 anos a luta contra a pobreza. Foram 2,7 milhões de empresas formais fechadas nesse período, e o PIB regional deve registrar uma queda de 10% neste ano.

Adrian Falco aponta os “ganhadores dessa pandemia”: “As grandes empresas de comunicação e vinculadas à economia digital viram aumentar sua riqueza em quase 49 bilhões de dólares nos dois primeiros meses de pandemia. Enquanto milhões de latino-americanos não sabiam se teriam o que comer no dia seguinte, mil ricos contavam seus dólares, produto da crise da pandemia.”

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