O ministro da Justiça da Bolívia, Iván Manolo Lima Magne, participou de entrevista ao vivo no programa Fórum América Latina na noite de segunda-feira (21) e comentou sobre o que o país tem feito para reformar o Poder Judiciário e avançar na responsabilização das autoridades que participaram do Golpe de Estado de 2019. A atuação Organização dos Estados Americanos (OEA) durante o golpe e a luta contra o lawfare também foram destacadas.

A reportagem é de Lucas Rocha, publicada por Revista Fórum, 22-12-2020.

Julgamento dos golpistas

Ao ser questionado sobre o julgamento dos golpistas, Lima destacou a atuação de um grupo de juristas internacionais para investigar o que ocorreu no país no período. Após a queda do ex-presidente Evo Morales (MAS), ocorreram dois massacres contra povos indígenas (Sacaba e Senkata) e ao menos 30 pessoas foram mortas, além de dezenas de desaparecidos e centenas de feridos.

“O que temos nesse momento é um grupo de investigadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Esse tipo de intervenção busca reparar o dano às vítimas e é a base para entender a verdade como direito dos povos e para superar o que ocorreu e novamente vivermos o que vivemos”, declarou o ministro.

“É necessário que se saiba a verdade, mas não queremos que sejamos nós, os vencedores das eleições, aqueles que irão escrever a história e, por isso, definimos que haja um grupo internacional de pesquisadores que possa dizer o que houve na Bolívia”, explicou.

“A verdade e a justiça são um direito dos povos e esse grupo dá a garantia de que não é a ‘versão de Evo Morales’, a minha ou a do Movimento ao Socialismo. Estamos assumindo um compromisso e até mesmo cedendo parte de nossa soberania”, completou.

Lima ainda destaca que há os responsáveis imediatos pelas mortes, os agentes de segurança, mas não se pode esquecer daqueles que impulsionaram as tensões vividas no país. “Há os autores imediatos, como aqueles que dispararam, mas também há interesses políticos e econômicos que influenciaram nesse processo com o objetivo de interromper o que estava sendo implementado com Evo Morales”, destacou.

Nesse ponto, ele cita a Organização dos Estados Americanos (OEA), que produziu um trágico relatório que apontava fraude nas eleições de 2019 e desencadeou todo processo golpista. Além das falhas do texto em si, as eleições de 2020 serviram como um desmentido histórico daquele texto.

Lima afirma que houve “uma fraude dirigida por Almagro e pela OEA que levou a morte de muitos bolivianos nos últimos tempos”. “Se não houvesse o informe da OEA não haveria todo o sofrimento desse último período. Centenas de feridos, tantas famílias que perderam entes queridos e a profunda dor que essa ruptura provocou”, detalhou.

O ministro ainda afirmou que busca garantir o julgamento das autoridades do governo da ditadora Jeanine Añéz de acordo com o devido processo legal, sem atropelos e que espera que os ministros fugitivos possam voltar ao país para se defenderem. “O que estamos construindo nesse período é uma série de princípios de garantias que permitam a Jeanine Áñez e a seus ministros viver em um Estado Constitucional de Direito, o que eles nos negaram”, declarou. “Sabemos que os processos de extradição, que vão ser solicitados, vão ser complicados, mas damos todas as garantias para que voltem ao país”, completou. Um dos ministros, Arthuro Murillo (Defesa), está no Brasil.

Reforma Judicial e Lawfare

O ministro ainda comentou sobre a reforma judicial que está implementando no país e a luta contra o lawfare – a chamada guerra judicial. Segundo o ministro, o plano de destruição política do MAS por meios jurídicos começa com o informe da OEA.

“O MAS tinha começado a gerar um movimento social imparável que, provavelmente, teria conduzido a uma continuação do processo histórico. Isso foi cortado, provavelmente, com a intenção de sepultar o MAS, não apenas Evo Morales. A intenção era cancelar a personalidade jurídica do MAS, como está acontecendo no Equador. Não queriam que o MAS participasse da última eleição”, declarou.

“Foi muito difícil o processo de garantia da candidatura, que não teria se concretizado se não fosse o profundo processo de mobilização do povo boliviano. Houve uma série de fake news e ainda tentaram impedir a participação do MAS até o último minuto”, disse.

Segundo ele, mesmo após o triunfo contundente de Arce, uma série de medidas judiciais tentou comprometer o processo e incitar um novo golpe.

Nesse sentido, Lima comentou sobre a tarefa de promover uma “reforma em um sistema de Justiça que é pouco democrático”. “Apesar de haver voto para a eleição de juízes, a democracia não chegou até a cabeça deles. Não gostam de ser questionados. Não entendem que a independência dos juízes não é um privilégio, mas uma garantia dos cidadãos”, destacou.

“Se não consigamos tornar o Poder Judiciário verdadeiramente democrático, que e assuma os valores de independência, imparcialidade, enxergue as demandas dos cidadãos, não vamos mudar a América Latina”, sustentou. “Um dos compromissos mas urgentes para ter uma maior qualidade de democracia é, definitivamente, a democratização da justiça”, completou.

Mercosul

O ministro ainda aproveitou para fazer um apelo para o Congresso brasileiro sobre a aprovação da Bolívia no Mercosul. A entrada do país no bloco depende apenas da chancela do Brasil. “Se há algo que impede nossa integração plena com o Brasil é a entrada no Mercosul. Estamos esperando a lei de vocês”, clamou.

Entrevista

Participaram da entrevista os apresentadores Lucas Rocha e Rogério Tomaz Jr., além do jurista Gladstone Leonel Júnior, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do livro “O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia”, e a cientista política Marília Closs, coordenadora executiva do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL).

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