Uma semana após as denúncias de violações de direitos humanos por organizações do Brasil e do mundo, a chacina no Jacarezinho começa a ser investigada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
A investigação irá apurar denúncias de abuso de violência, tortura e execução sumária, que teriam sido realizadas pela Polícia Civil, no último dia 6.
A reportagem é de Vanessa Nicolav, publicada por Brasil de Fato, 13-05-2021.
A operação deixou 28 mortos, sendo um deles policial. Entre as outras 27 vítimas, apenas quatro tinham seus nomes nos mandados de prisão e nada pode justificar a execução.
Para Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, a operação não pode ser considerada nem de inteligência, nem bem sucedida. A forma como classifica é: chacina.
“Três pessoas ou mais mortas ao mesmo tempo, o nome disso é chacina. É extremamente grave”, ressalta.
A força-tarefa do Ministério Público, que será conduzida pelo promotor André Matos, junto a outros três servidores, tem início após o órgão ter recebido críticas por não atuar com rigor no acompanhamento da ação.
Além do excesso de violência e mortos, em uma operação que foi televisionada, Werneck destaca a ausência da atuação desse órgão.
“O Ministério Público alega que foi avisado às 9h da manhã. Mas a televisão começou a transmitir a operação às 6h da manhã. Às 9h já havia morrido um policial. Será que o MP tem que esperar sentado a tragédia acontecer ou esperar um bilhete para poder agir? Ele já tinha o dever constitucional de controle externo da atividade policial”, questiona ela.
A mudança do objetivo da operação também será investigada. No primeiro relatório da Polícia Civil, o objetivo constava como apuração sobre aliciamento de menores, sequestros de trem e roubo. Na última versão do documento, tal explicação foi excluída.
Outra denúncia grave sobre a operação é a alteração das cenas onde as mortes aconteceram.
“Pelo relatório da Polícia Civil verifica-se que boa parte dos corpos foram levados para o hospital e que claramente já estavam mortos no local. O que é muito grave do ponto de vista de responsabilização porque como a gente não tem uma perícia bem feita, é muito difícil que a gente consiga reunir um conjunto de provas cabais para fazer uma denúncia desses policiais para serem responsabilizados e presos”, afirma Pablo Nunes, cientista político, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e também da Rede Observatórios de Segurança.
Ele lembra que esse é um protocolo que já deveria ser normalmente seguido pelas polícias. “Isso já é uma norma, algo que deveria ser cumprido pelas policiais, a decisão do ministro Edson Fachin, da ADPF 635, reforçou essa necessidade claramente dentro do seu escopo.”
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 é uma determinação assinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em junho do ano passado, que restringe operações policiais durante a pandemia.
Mesmo assim, além da de Jacarezinho, outras operações violentas continuam acontecendo no estado. Durante o período, houve ao menos 944 mortos em ações policiais, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Facchin chegou a se pronunciar sobre o crime e cobrou da Procuradoria-Geral da República (PGR) investigação da chacina. Ele enviou à PGR vídeos enviados ao seu gabinete pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFRJ.
“Há uma percepção geral de que as instituições policiais do Rio de Janeiro rasgam a Constituição. Elas não se importam com a determinação do STF”, afirma é Bruno Soares, coordenador do Laboratório de Narrativas de Jacarezinho (LabJaca), coletivo que atua na comunidade.
Sobre o impacto da operação, que foi considerada a mais letal dos últimos 15 anos do estado do Rio de Janeiro, segundo plataforma digital Fogo Cruzado, Soares avalia que os efeitos ainda são difíceis de ser medidos.
“O que a gente percebeu esses dias é que as pessoas estão com medo. Estão receosas, não querem ficar na rua. É um clima de tristeza, de verdade. Uma energia que, pessoas que moram há 70 anos ali também nunca viram. Foi realmente uma coisa escabrosa, não tem como medir. O impacto é devastador. E o impacto psicológico das pessoas é algo incalculável”, desabafa o coordenador, que também mora no Jacarezinho.
Soares conta que quem tem mais agido para apoiar a comunidade nesse momento, são os próprios moradores e as organizações que lá atuam.
“A gente tem se articulado com grupos da favela para ver como levar apoio para os moradores, da melhor forma possível. Já estamos fazendo encaminhamentos para psicólogo, pelas famílias que foram atingidas e também estamos fazendo encaminhamento jurídico”, conta a liderança, que também ressalta as ações concretas de revitalização do território, que aumentem a autoestima do Jacarezinho.
“Depois dessa chacina, a autoestima da favela está muito abalada. Nós precisamos fazer de tudo para que estas pessoas entendam que ali é o lugar delas e que é possível ter uma vida de novo depois de tudo que aconteceu”, diz Soares.
Em sinergia com o pedido de justiça por Jacarezinho e contra o genocídio da população negra, a Coalizão Negra por Direitos vai amanhã às ruas, 13 de maio, com o lema: “Nem bala, nem fome, nem Covid. O povo negro que viver!”. Saiba mais sobre a mobilização aqui.