Declarações recentes do ex-deputado Juan Guaidó e do presidente Nicolás Maduro indicam que a Venezuela poderá avançar em um processo de reconciliação nacional depois de seis anos de confronto. Em uma transmissão online, na última terça-feira (11), o opositor propôs um “acordo de salvação nacional” que passaria por “eleições gerais livres e justas”. Já o presidente Nicolás Maduro respondeu afirmando estar disposto a se “reunir com toda a oposição”.

A reportagem é de Michele de Mello, publicada por Brasil de Fato, 12-05-2021.

Guaidó ressaltou que o acordo deveria se dar entre oposição, chavismo e comunidade internacional, incluindo medidas como: aquisição de vacinas, liberação de opositores detidos e garantias democráticas para todos os atores políticos. Segundo o opositor, caso o governo bolivariano dê sinais do cumprimento dessas medidas, as sanções internacionais poderiam ser gradativamente levantadas.

O embaixador estadunidense para a Venezuela, James Story, também se pronunciou: “Apoiamos os esforços de Juan Guaidó e da oposição para restaurar de forma pacífica a democracia do país, através de eleições presidenciais e parlamentares livres. A resolução da crise é um acordo compreensivo”.

Desde início da administração Joe Biden, este é o primeiro gesto dos EUA que propõe diminuir as hostilidades e os planos desestabilizadores financiados por Washington contra a Venezuela.

Já o presidente Nicolás Maduro, em reposta às manifestações oposicionistas, reiterou durante transmissão televisiva na noite da última terça que está aberto ao diálogo, e voltou a fazê-lo nesta quarta: “Estou de acordo com a ajuda da União Europeia (…) e pronto para me reunir com toda a oposição”, afirmou. Veja abaixo.

Nos últimos anos, o Executivo convocou a oposição em mais de 300 vezes a negociar. Esses acordos resultaram em uma série de medidas reais, como as eleições legislativas de dezembro de 2020 e a recente designação do novo poder eleitoral.

No entanto, um setor de extrema direita, liderado por Guaidó, negou-se a participar dos últimos processos eleitorais, assim como a dialogar com o que caracterizavam como uma “ditadura”.

Desde 2019, Guaidó mudou seu discurso diversas vezes. Propôs inicialmente três passos para derrubar a “ditadura”, depois falou em cinco pilares de ação política até a tomada do poder, em seguida lançou a palavra de ordem “fim da usurpação, governo de transição, eleições livres já”, para, finalmente, defender um acordo de salvação.

Para a socióloga venezuelana Maryclen Stelling, a mudança de postura evidencia o isolamento nacional e internacional do opositor.

“Acredito que Guaidó vem se desfigurando como figura política e como líder da oposição. Diante dessa derrota e esgotamento de mantras, ele pede uma espécie de auxílio que seria esse acordo de salvação nacional. Para mim, o objetivo escondido seria o relançamento de Guaidó como líder nacional”, afirma Stelling.

Desde 2015, depois do falecimento do ex-presidente Hugo Chávez e com a ascensão do governo de Nicolás Maduro, a oposição venezuelana aliada aos Estados Unidos intensifica suas ações de confrontação.

Também em 2015, a oposição conquistou a maioria das cadeiras na Assembleia Nacional (AN) e empossou seis deputados que tiveram suas candidaturas impugnadas. A partir de então, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) considerou nulas todas as decisões do parlamento.

No entanto, os parlamentares continuaram se reunindo e usando a Assembleia para promover sanções econômicas contra o país. A nova legislatura da AN criou uma comissão para investigar delitos e enriquecimento ilícito de ex-deputados.

Além do embargo econômico, que gerou a redução de 60% do PIB venezuelano e bloqueou cerca de US$ 7 bilhões em contas nacionais no exterior, a oposição também promoveu a realização das guarimbas – atos violentos, que terminaram com uma dezena de mortos.

Em 2017, Maduro convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para reestabelecer a paz, visando que as diferenças políticas fossem dirimidas na elaboração de uma nova constituição.

No entanto, o enfrentamento continuou, os opositores de extrema direita se negaram a participar do processo, assim como das eleições presidenciais de 2018. Com o passar do tempo, tanto a oposição deixou de reconhecer as instituições venezuelanas, criando uma espécie de governo paralelo, como o próprio chavismo diminuiu sua participação eleitoral, evidenciando a perda de legitimidade das instituições.

Os impactos econômicos são visíveis depois de cinco anos de bloqueio dos Estados Unidos contra a Venezuela (Gráfico: Michele de Mello / Brasil de Fato)

Por isso, a eleição de um novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) seria considerada um primeiro passo para a reinstitucionalização do país. “Seria conveniente resgatar a figura de controladoria social cidadã para vigiar e defender esse processo de reinstitucionalização”, sinaliza Stelling.

Na última terça-feira, os diretores eleitorais confirmaram que irão apresentar em breve um calendário para as mega eleições, que irão definir os novos governadores, prefeitos e vereadores do país.

A União Europeia afirmou que este seria “um primeiro passo” para a realização de eleições transparentes na Venezuela.

Stelling destaca outras medidas que fariam parte de uma série de concessões do governo bolivariano às demandas opositoras, como a permissão para missões de observação internacional e não mais de acompanhamento; atualização do registro de eleitores; auditoria do sistema biométrico; e revisão da inabilitação de alguns opositores, como o próprio Juan Guaidó.

Recentemente, outras medidas adotadas pelas instituições venezuelanas indicam uma disposição para um acordo nacional. Entre elas, estaria o reconhecimento de que houve tortura na prisão e violência policial contra alguns opositores em 2017 e 2018, além de concessão de prisão domiciliar a ex-diretores da empresa Citgo, filial da petroleira PDVSA nos Estados Unidos.

Apesar das expectativas, para que o CNE se torne uma instituição modelo do processo de retomada da institucionalização do país, Maryclein estabelece alguns fatores internos e externos.

No âmbito interno, o CNE deveria contar com transparência, independência, com decisões técnicas, em um contexto democrático. Já no âmbito externo, não poderiam ceder a pressões políticas que tentem influenciar um partido ou outro.

“Está em curso um processo difícil e lento de reconciliação nacional, que deslanchou com reuniões entre ambos setores políticos, mas teve seu início oficial com o novo CNE”, analisa Maryclen Stelling.

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